terça-feira, 12 de agosto de 2008

VANDER LEE: MUSICALIDADE, LETRAS E ORIGINALIDADE




(fotos: FABIOLA CANGUSSU E ADRIANA QUEIROZ)


O palco da Fenics recebeu um importante representante da música nacional, o cantor e compositor Vander Lee. O músico nos recebeu na tarde de sábado, 09, e falou sobre a riqueza da música brasileira e de sua história com Montes Claros.


Sábado a noite durante o show nos presenteou com sua poesia, doçura, senso crítico e balanço. Outras vezes levou a platéia ao riso com seu jeito irreverente de cantar. O músico estava bastante descontraído e o público respondeu com a mesma disposição. Ao lado do guitarrista Luiz Peixoto, (ex- Dib Six), cantou sucessos como Esperando Aviões, Românticos, Galo e Cruzeiro, Sambado, Do Brasil.



ENTREVISTA COM VANDER LEE



Gente & Idéias: Nos dias de hoje e no universo musical do Planeta chamado Minas, é inegável a beleza do trabalho de autores negros com muitos anos de estrada e muitas horas de janela: Milton Nascimento, Maurício Tizumba e Marku Ribas são expressões nacionais dessa música negra que nasce em Minas. De alguma forma você se acha comprometido com essa identidade mineira, racial e geográfica, ou você não se preocupa com esses fatos? O trabalho de seus antecessores-conterrâneos influiu de alguma forma na música que você faz hoje? Se influenciou, de que maneira?


Vander Lee: Uai, eu acho que eu sou daqueles que não se prendem a questões étnicas. Considero relevante isso tudo o que você falou, concordo que tem uma linhagem aí de autores e músicos negros e poderia ter concluído aí com Ataufo Alves, o Geraldo Pereira e o Ari Barroso, esta turma que é anterior ao Clube da Esquina, que também tem a ver com a etnia.


E poderia também falar dos grupos de samba, de hip hop, de várias outras vertentes, do regaee, onde os negros têm uma força muito grande. O fato é que nós mineiros estamos por fora do contexto midiático nacional, trabalhamos com uma dificuldade que é nossa passada, é menor, mais lenta e tudo. Então essa coisa de ter muitos anos de carreira é que acaba firmando a força do negro, dessa resistência, me sinto um pouco resistente, uma pessoa como eles, um cara que insiste, né?


E essa insistência acaba gerando frutos. Não acho que a questão étnica, ela, criativamente me tolhe, ou me induz a...


Eu faço música para as pessoas, para as crianças, para os adultos, para a alma. Então faço a crônica diária sem fazer essa leitura de classes. Mas sempre pensando no ser humano. Sou um apaixonado pelo ser humano.


G&I: No auge do prestígio que você desfruta atualmente, qual o principal recado que você daria para os jovens compositores mineiros, especialmente para os jovens talentos musicais que moram no interior de Minas ou em Belo Horizonte? Como você conseguiu atingir a grande mídia e o reconhecimento da crítica sem se afastar da nossa aldeia mineira?


V.L: Pois é. Eu me afasto muito da nossa aldeia. Na verdade, viajo muito. O lance é que volto pra ela.


Eu acho que tem dois Brasis, tem o de dentro e o de fora. O de fora é aquele litorâneo que os turistas conhecem primeiro e este Brasil que nem nós conhecemos direito ainda não é? É um país em eterno descobrimento. Mas eu diria para a molecada se sentir sempre começando. Eu me sinto começando o tempo todo. Todos os dias eu tento fazer uma música, tento escrever algo, buscar a novidade, o frescor. Que eles se sintam novos para sempre. Já é um bom começo.



G&I: Nós, que somos seus admiradores, achamos geniais as letras e as melodias que você produz. Pessoalmente, você se acha melhor músico ou melhor letrista? Como é o seu processo de criação? O que vem primeiro? A música, ou os versos? Ou vem tudo junto?


V.L: Eu tenho mais facilidade com a música porque a música é ascensorial. E quando ela vem, não tem explicação. Agora a escrita, a palavra é um mecanismo mais cerebral, precisa do sentimento, da inspiração e tudo. Há um trabalho a ser feito. Por trás da palavra tem outras formas de linguagem, um negócio complicado...


Mas o que eu considero pra mim é ser ser uma pessoa naturalmente musical.


Como a música pra mim é muito comum, viável, no show eu estou sempre compondo, durante o show ali...


Eu sempre espero ter uma letra, um começo de uma idéia, um argumento para compor. Não viajo muito não. Fico esperando um copo d’água.(Pausa para beber água)


Se não tiver um copo d’água nem pego no violão.


G&I: O que significa Montes Claros e o Norte de Minas para você? Qual a importância dos sertões mineiros na sua carreira de artista? Que sentimentos afetivos você tem em relação a nós, que o acolhemos aqui em nossa terra, desde o início de sua trajetória musical?


V.L: Pois é! Tenho uma história tão bonita com essa cidade. A primeira vez que vim cantar aqui, eu vim a convite de um amigo que tem uma ação cultural muito forte aqui na cidade, é um amigo que é nascido em Teófilo Otoni, que se chama Nestor Santana. A primeira vez que ele me convidou para cantar foi em uma festa da Vallée. Cantei para uma platéia de dez ou vinte pessoas. Mas depois nós fomos para um bar onde tinha música e várias pessoas estavam tocando. Numa dessas, fui lá e cantei um pouquinho. Isso parece que me conectou com a cidade, passei a vir mais. Essa empresa me contratava às vezes para tocar nos eventos dela, eventos cada vez maiores. A empresa cuidou um pouco de me apresentar pra cidade sem que eu mesmo tivesse planejado. Uma coisa que foi acontecendo afetivamente. Depois em uma dessas apresentações, dessas primeiras aí, eu estava neste hotel e compus uma música e hoje é muito importante pra mim, para minha carreira, que é uma das músicas mais conhecidas que se chama Esperando Aviões. E ela partiu de uma inspiração, de uma visão aérea da cidade. E isso pra mim é muito simbólico. E também compus para essa empresa de pesquisa, sob encomenda, uma música que se chama Do Brasil, que foi feita pra falar sobre esse Brasil de dentro, que ele não é sucesso na mídia, que não é vendido pra fora, como produto turístico ainda, como uma coisa viável pra quem quer conhecer o Brasil, mas ele é o Brasil bem sucedido, é o Brasil que vai dar certo ainda. Se alguma coisa tiver que dar certo nesse país, vai ter que ser a partir do sertão, que é a natureza, a relação com o tempo que é real, não é corrida como a cidade grande. Talvez a partir disso alguma coisa melhore nesse país.



G&I: Faça uma análise da MPB contemporânea. Você é otimista, ou pessimista em relação aos novos valores que a boa música brasileira nos apresenta hoje em dia? Se possível destaque pelo menos dois novos compositores, ou dois novos intérpretes que lhe chamam a atenção.


V.L: A música brasileira hoje, pelo advento da internet... a gente acaba conhecendo coisas que nem deveria conhecer porque é muita informação.


É minha ferramenta de trabalho também hoje e estou sempre por ali navegando, tenho meu blog, e meu myspace e de outros músicos que se relacionam comigo, me procuram e alguns, eu procuro também. Nisso criou uma sensação em mim de que a música é toda uma coisa só, por mais que se variam os estilos, os conceitos. A música, tem uma coisa ascensorial que falei no início, de que é uma coisa só, os textos, a linguagem das classes, como que cada um fala, é muito vasto. E cada vez mais me impressiona no Brasil a capacidade de misturar coisas que não são inicialmente afins, aparentemente afins. E a gente faz isso muito bem, casar o preto com o branco, o rosa e o azul e ao mesmo tempo ficar bonito e harmônico. Isso é o talento brasileiro. Talvez tenha a ver com a nossa felicidade cultural, nossa raiz de índio e negro, de pessoas livres e tal. A gente recebe muito bem! Tem uma facilidade de misturar, de trocar. Eu por exemplo tenho três raças muito claras em meu corpo.


Na minha música percebe-se muitas influências e acho que se tem uma riqueza na música brasileira, eu poderia arriscar a dizer que é a facilidade de misturas, a forma como a gente combina essas tintas. Mas vejo japoneses fazendo bossa nova muito bem, isso me assusta. Samba melhor do que nós. Me assusta um pouco! Vejo brasileiros fazendo rock and roll e ganhando o mundo. Mineiros não é? O Sepultura é um caso real, de que a planta do serrado pode dar as vezes no Pantanal. Isso é o Brasil! Essa coisa boa que nós temos aqui e que favorece ao solo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente entrevista essa do Vander Lee. Sou apreciador das canções ( e poesias) dele. É de encantar!
Parabéns pela entrevista.
Um abraço,
Pablo.