Rafael Maranhão Especial para o GLOBOESPORTE.COM
País de Gales disputou somente uma Copa do Mundo até hoje. Há 50 anos. E por pouco não chegou às semifinais, parando no futuro campeão mundial Brasil. Foi a partida mais difícil da seleção brasileira naquela Copa: 1 a 0, em Gotemburgo, gol de Pelé. O primeiro gol de Pelé em Mundiais. Uma linda jogada: um drible espetacular no zagueiro e um leve toque na saída do goleiro. Aquele zagueiro passa os dias num hotel gerenciado por sua família a poucos metros da praia na cidade galesa de Swansea, famoso destino de ingleses em busca de sol. Aos 73 anos, Mel Charles lembra com carinho daquela Copa e com orgulho do dia em que uma seleção de um pequeno país sem grande expressão no futebol quase parou uma das maiores equipes de todos os tempos.
- Nós demos bastante trabalho a eles. Foi um grande jogo - diz, sorridente, como em quase toda a entrevista.
. Confira a página especial da Copa de 1958
Como um bom xerife que tenta se fazer respeitar, Mel Charles passa direto pelo drible que levou na hora de explicar a jogada do gol brasileiro.
- Eles vieram tabelando, tabelando, a bola sobrou para Pelé e o chute saiu errado, enganando o nosso goleiro Jack Kelsey.
A trajetória de Gales até a Copa poderia render um filme, e rendeu um livro. Os galeses não haviam se classificado para o Mundial. Passaram apenas graças a uma decisão da Fifa de fazer um sorteio entre os segundos colocados dos grupos da Europa para que o time selecionado enfrentasse Israel. A Fifa não queria que os israelenses chegassem à Copa sem disputar jogos eliminatórios, já que, por questões políticas, seus adversários se recusaram a entrar em campo para enfrentá-los. Gales venceu o sorteio, derrotou Israel e chegou ao Mundial.
Lá, empatou com a tradicional Hungria, com o México e pegou na última rodada uma já classificada Suécia que poupou cinco titulares. A decisão foi criticada pelos húngaros, mas os suecos não mudaram de idéia e o jogo terminou em novo empate. Pelo regulamento da época, Gales e Hungria teriam que disputar um jogo-extra, por terminarem empatados em pontos. Gales venceu e se classificou para pegar o Brasil nas quartas-de-final. Tudo ia bem para os galeses até os 73 minutos do segundo tempo... GLOBOESPORTE.COM: O senhor estava marcando Pelé na jogada do gol brasileiro. O que aconteceu naquele lance? Mel Charles: Sim, eu estava, mas... "Bloody hell"! Ele errou o chute, sabe? Foi má sorte nossa. Não era a sua intenção, não foi um grande chute. O pé dele prendeu no gramado, ele chutou chão. A bola foi entrando mansinha. Depois do gol, eu chamei o Pelé de tudo que é nome. Eles não podiam entender o que nós dizíamos mesmo (solta uma gargalhada). Como Gales consegui parar o Brasil por tanto tempo? Nós fizemos o melhor que pudemos. Jogamos duro, com muita vontade, marcamos em cima e jogamos bem fechado. Tentamos sair nos contra-ataques, nas jogadas aéreas. Eles pareciam nervosos. Como não conseguiam marcar o gol, aquilo deixou a equipe um pouco intranqüila. Mas eles eram uma equipe espetacular. Numa jogada, decidiram o jogo". Naquele dia, Garrincha teve sua atuação menos brilhante na Copa. Apesar disso, o lateral-esquerdo galês, Mel Hopkins, disse que sofreu demais com ele. O que aconteceu? Hopkins levou um baile naquele dia, coitado. Chegou a ganhar algumas vezes, mas teve trabalho duro. Talvez eles imaginassem que o gol fosse sair antes. Mas Garrincha era um jogador maravilhoso. Havia algo de errado com suas pernas, eram tortas, deformadas. Quem dera as minhas fossem deformadas assim (sorri).
a/Reprodução
John Charles, irmão de Mel Charles, era considerado o principal craque da Copa
Seu irmão, John Charles, era considerado um dos astros da Copa, mas não jogou contra o Brasil. Acha que com ele a história teria sido diferente? Meu irmão apanhou muito contra a Hungria na fase anterior e não enfrentou o Brasil por estar machucado. Ele era o artilheiro do Juventus, da Itália, e se ele tivesse jogado nós teríamos uma grande chance de vencer. Depois daquela Copa, o Brasil voltaria a enfrentar País de Gales algumas vezes em amistosos. O senhor esteve num deles, não? Em 1961, nós fomos convidados para enfrentar a seleção brasileira no Maracanã. Foi uma honra para nós. Uma viagem inesquecível, caminhamos por Copacabana, enfrentamos aquela grande equipe num Maracanã lotado. Garrincha naquele dia esteve incrível. O Brasil venceu por 3 a 1. Acho que nossa equipe causou uma boa impressão nos brasileiros que se manteve por muitos anos. Nem todos achavam um grande teste enfrentar o País de Gales (sorri). Aquela equipe foi a única seleção galesa a disputar um Mundial. Como foi a volta para casa? Houve festa? Festa? As pessoas nem sabiam que nós estávamos na Copa. Nossos dirigentes eram incrivelmente ruins. Eles tinham medo de um vexame, então não divulgaram nossa participação. Quando voltamos, eu e mais três jogadores estávamos no trem de volta para Swansea e o bilheteiro nos reconheceu. Ele perguntou onde andávamos, e eu respondi: 'Na Suécia'. E ele: 'Vocês estavam de férias lá?'. Ninguém dava nada pelo nosso time. Nem sabiam que estávamos na Copa do Mundo (sorri).
País de Gales disputou somente uma Copa do Mundo até hoje. Há 50 anos. E por pouco não chegou às semifinais, parando no futuro campeão mundial Brasil. Foi a partida mais difícil da seleção brasileira naquela Copa: 1 a 0, em Gotemburgo, gol de Pelé. O primeiro gol de Pelé em Mundiais. Uma linda jogada: um drible espetacular no zagueiro e um leve toque na saída do goleiro. Aquele zagueiro passa os dias num hotel gerenciado por sua família a poucos metros da praia na cidade galesa de Swansea, famoso destino de ingleses em busca de sol. Aos 73 anos, Mel Charles lembra com carinho daquela Copa e com orgulho do dia em que uma seleção de um pequeno país sem grande expressão no futebol quase parou uma das maiores equipes de todos os tempos.
- Nós demos bastante trabalho a eles. Foi um grande jogo - diz, sorridente, como em quase toda a entrevista.
. Confira a página especial da Copa de 1958
Como um bom xerife que tenta se fazer respeitar, Mel Charles passa direto pelo drible que levou na hora de explicar a jogada do gol brasileiro.
- Eles vieram tabelando, tabelando, a bola sobrou para Pelé e o chute saiu errado, enganando o nosso goleiro Jack Kelsey.
A trajetória de Gales até a Copa poderia render um filme, e rendeu um livro. Os galeses não haviam se classificado para o Mundial. Passaram apenas graças a uma decisão da Fifa de fazer um sorteio entre os segundos colocados dos grupos da Europa para que o time selecionado enfrentasse Israel. A Fifa não queria que os israelenses chegassem à Copa sem disputar jogos eliminatórios, já que, por questões políticas, seus adversários se recusaram a entrar em campo para enfrentá-los. Gales venceu o sorteio, derrotou Israel e chegou ao Mundial.
Lá, empatou com a tradicional Hungria, com o México e pegou na última rodada uma já classificada Suécia que poupou cinco titulares. A decisão foi criticada pelos húngaros, mas os suecos não mudaram de idéia e o jogo terminou em novo empate. Pelo regulamento da época, Gales e Hungria teriam que disputar um jogo-extra, por terminarem empatados em pontos. Gales venceu e se classificou para pegar o Brasil nas quartas-de-final. Tudo ia bem para os galeses até os 73 minutos do segundo tempo... GLOBOESPORTE.COM: O senhor estava marcando Pelé na jogada do gol brasileiro. O que aconteceu naquele lance? Mel Charles: Sim, eu estava, mas... "Bloody hell"! Ele errou o chute, sabe? Foi má sorte nossa. Não era a sua intenção, não foi um grande chute. O pé dele prendeu no gramado, ele chutou chão. A bola foi entrando mansinha. Depois do gol, eu chamei o Pelé de tudo que é nome. Eles não podiam entender o que nós dizíamos mesmo (solta uma gargalhada). Como Gales consegui parar o Brasil por tanto tempo? Nós fizemos o melhor que pudemos. Jogamos duro, com muita vontade, marcamos em cima e jogamos bem fechado. Tentamos sair nos contra-ataques, nas jogadas aéreas. Eles pareciam nervosos. Como não conseguiam marcar o gol, aquilo deixou a equipe um pouco intranqüila. Mas eles eram uma equipe espetacular. Numa jogada, decidiram o jogo". Naquele dia, Garrincha teve sua atuação menos brilhante na Copa. Apesar disso, o lateral-esquerdo galês, Mel Hopkins, disse que sofreu demais com ele. O que aconteceu? Hopkins levou um baile naquele dia, coitado. Chegou a ganhar algumas vezes, mas teve trabalho duro. Talvez eles imaginassem que o gol fosse sair antes. Mas Garrincha era um jogador maravilhoso. Havia algo de errado com suas pernas, eram tortas, deformadas. Quem dera as minhas fossem deformadas assim (sorri).
a/Reprodução
John Charles, irmão de Mel Charles, era considerado o principal craque da Copa
Seu irmão, John Charles, era considerado um dos astros da Copa, mas não jogou contra o Brasil. Acha que com ele a história teria sido diferente? Meu irmão apanhou muito contra a Hungria na fase anterior e não enfrentou o Brasil por estar machucado. Ele era o artilheiro do Juventus, da Itália, e se ele tivesse jogado nós teríamos uma grande chance de vencer. Depois daquela Copa, o Brasil voltaria a enfrentar País de Gales algumas vezes em amistosos. O senhor esteve num deles, não? Em 1961, nós fomos convidados para enfrentar a seleção brasileira no Maracanã. Foi uma honra para nós. Uma viagem inesquecível, caminhamos por Copacabana, enfrentamos aquela grande equipe num Maracanã lotado. Garrincha naquele dia esteve incrível. O Brasil venceu por 3 a 1. Acho que nossa equipe causou uma boa impressão nos brasileiros que se manteve por muitos anos. Nem todos achavam um grande teste enfrentar o País de Gales (sorri). Aquela equipe foi a única seleção galesa a disputar um Mundial. Como foi a volta para casa? Houve festa? Festa? As pessoas nem sabiam que nós estávamos na Copa. Nossos dirigentes eram incrivelmente ruins. Eles tinham medo de um vexame, então não divulgaram nossa participação. Quando voltamos, eu e mais três jogadores estávamos no trem de volta para Swansea e o bilheteiro nos reconheceu. Ele perguntou onde andávamos, e eu respondi: 'Na Suécia'. E ele: 'Vocês estavam de férias lá?'. Ninguém dava nada pelo nosso time. Nem sabiam que estávamos na Copa do Mundo (sorri).
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